Contemplados em suposto sorteio eram chamados para receber prêmio, mas precisavam pagar para adquirir o serviço
Por Gracielle Nocelli
17/08/2018 às 07h00- Atualizada 17/08/2018 às 07h20
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da 13ª Promotoria de Defesa do Consumidor da Comarca de Juiz de Fora, investiga um golpe que estaria sendo aplicado por uma agência de viagens na cidade. De acordo com o órgão, consumidores foram chamados à sede da empresa, localizada no Centro, para retirarem um prêmio recebido por meio de sorteio. No local, eles eram informados de que deveriam fazer um cartão para ter acesso às vantagens mencionadas, mas o produto era pago. Há relatos de quem adquiriu o cartão e não conseguiu agendar a viagem. O golpe começou a ser aplicado no ano passado, e, até maio deste ano, a promotoria reuniu mais de cem denúncias.
O promotor de Defesa do Consumidor, Oscar Santos de Abreu, instaurou processo administrativo contra a empresa. “A ação fere os artigos 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe a publicidade enganosa ou abusiva, e o 39, que afirma que o vendedor de produtos ou serviços não pode exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.” Além de ter instaurado processo administrativo contra a empresa, ele denunciou criminalmente três sócios, solicitando a prisão preventiva dos envolvidos. “A empresa tem mudado de nome e CNPJ para dificultar. Era Viamar Turismo Ltda, depois Fashion Tour Operadora de Turismo Ltda. e agora pode ser que já esteja usando outro nome. ”
Uma leitora, que preferiu não se identificar, conta que acionou o Procon depois de ter sido vítima do mesmo golpe, mas a empresa já apresentava outro nome. “Preenchi um cupom da empresa Viva Hotéis e Turismo durante o evento Guest Fashion para concorrer à uma hospedagem. Ligaram me dizendo que eu havia sido sorteada, e que era para eu ir junto com o meu acompanhante até à sede da empresa. Meu marido e eu fomos, e lá eles falaram muito tempo com a gente e apresentaram inúmeras vantagens”, relembra. “Cheguei a dizer que, se era pago, eu não tinha interesse, pois estava reformando a minha casa e não tinha dinheiro disponível. Mas eles continuaram nos dando várias informações e, por fim, acabamos adquirindo cartão.” Ela conta que quando chegou em casa, quis mudar de ideia. “Foi aí que eu pensei que havia sido sorteada, mas não tinha recebido nenhum prêmio. Na verdade, eu estava pagando pelo serviço. Liguei para tentar cancelar, mas o rapaz disse que eu deveria ter lido o contrato antes de assinar. A solução foi procurar o Procon. Lá, os atendentes me disseram que havia inúmeras reclamações iguais a minha.”
Outra leitora, que preferiu não se identificar, diz que preencheu o mesmo cupom em um estande da empresa na Feira Minas Tchê. “A gente acaba acreditando porque o anúncio é feito em eventos tradicionais e renomados. Só não fui à empresa porque várias pessoas que eu conheço também foram sorteadas e fui avisada que o prêmio não era gratuito.” A Tribuna entrou em contato com a assessoria da feira, mas os organizadores não se posicionaram. Já a F.Works Produtora, responsável pela organização do Guest Fashion, declarou, em nota, que tomou conhecimento das denúncias pela reportagem, e lamentou o ocorrido. “Nos colocamos à disposição das autoridades para auxiliar no que for necessário à investigação do caso.”
Procurada pela Tribuna, a Viva Hotéis e Turismo negou envolvimento com as investigações do Ministério Público. O empresário Thor César de Moura se apresentou como sócio majoritário do negócio e informou que a empresa, que tem razão social de Fashion Tour Operadora de Turismo Ltda., não é a responsável pela aplicação dos golpes na cidade. “Primeiramente, é bom lembrar que esteve nesta cidade uma empresa de pacotes de viagem chamada Viamar”, afirma. “Conforme soubemos em face da concorrência de mercado, a empresa não estava se comportando muito bem com seus clientes, não cumprindo com suas obrigações contratuais e atrapalhando o mercado”, afirmou em documento enviado à reportagem.
O texto diz que “observando o que estava acontecendo com o mercado, nós da Fashion Tour Operadora de Turismo Ltda. resolvemos montar uma sede no mesmo prédio, porém no andar térreo, trabalhando no mesmo segmento, todavia com muita seriedade e compromisso com a população.” No documento, ele explica que levou alguns funcionários da Viamar para trabalhar na empresa, pois “era notório que a Viamar não iria dar sequência ao trabalho pactuado junto à população de Juiz de Fora.”
Ele diz que os clientes iam à sede da Viva Hotéis e Turismo “reclamar” da Viamar Hotéis e Turismo e recebiam o esclarecimento de que eram empresas distintas. “Explicávamos que nada tínhamos com a Viamar, que éramos de outra empresa, porém do mesmo ramo. Oferecíamos nossos serviços e em face do que estava ocorrendo, conseguimos vários associados.” O texto destaca que “a Viamar e a Fashion Tour são empresas distintas, possuem CNPJ distintos e sócios totalmente diferentes.”
Segundo o documento, “a Viva Hotéis e Turismo sempre atuou na área do turismo e cumpriu com o que é acordado com o seu associado, temos alvará e termo de legalização com relação a turismo. Nunca deixamos de cumprir nossas obrigações, e prova disto é que quando há reclamações no Procon e na Justiça (geralmente Juizado de Pequenas Causas), comparecemos em todas elas e fazemos acordo. Quando isto não acontece, as ações interpostas são julgadas improcedentes.” Thor assegura que não tem “nenhuma ação condenatória em nosso nome, pois cumprimos com o que acordamos. É claro que existem ações e reclamações contra a empresa como tem com muitas grandes empresas. Apenas 5% dos nossos clientes resolvem desistir do plano por motivos pessoais e econômicos que são atendidos por nós e encaminhados ao jurídico para o cancelamento do contrato de forma bilateral e juridicamente correta sem maiores delongas.”
A promotoria foi acionada após os casos se tornarem recorrentes na Agência de Defesa e Proteção do Consumidor de Juiz de Fora (Procon-JF). “Começamos a receber as queixas no final do ano passado, e acompanhamos a reincidência. Chegamos a marcar audiências com representantes da empresa, mas eles começaram a faltar. Depois vimos que o golpe continuou acontecendo, mas o nome da agência e o CNPJ tinham mudado. Foi então que acionamos o Ministério Público”, explicou o superintendente do Procon-JF, Eduardo Schröder. Em 2017, o órgão registrou a reclamação de 32 consumidores que haviam sido vítimas do golpe. Entre janeiro e julho deste ano, foram 26. De acordo com o promotor de Defesa do Consumidor, Oscar Santos de Abreu, há relatos de pessoas que usaram recursos de poupança para adquirirem o cartão. “Elas confiaram naquilo que era dito a elas, mas foram enganadas. É uma situação muito grave, por isso, além de multar nós pedimos a prisão dos sócios.”
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