Pequenos negócios no RN geram emprego e renda com foco em impacto socioambiental – Tribuna do Norte

5 de junho de 2024

Felipe Salustino
Repórter
O Rio Grande do Norte contabiliza 238.903 pequenos negócios, dos quais 10.696 foram criados somente no primeiro trimestre deste ano, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Além de gerar renda e oportunidade de trabalho, vários desses empreendimentos têm agregado como valor o cuidado com o meio ambiente e a transformação social. Um desses exemplos é a Amada Minhoca, em Pium, na Região Metropolitana de Natal. A empresa, formalizada no início do ano passado, atua com o serviço de compostagem terceirizada com o objetivo de promover a gestão correta de resíduos orgânicos.
São ações que impactam diretamente a realidade local, em primeiro lugar, mas que já conseguiram transpor divisas e fronteiras, como é o caso da Valentes, startup criada na capital potiguar com o intuito de conectar pequenos empreendedores e estimular a expansão dos negócios por meio de participação em eventos, especialmente. Atualmente, além do RN, o grupo conta com parcerias em outros seis estados brasileiros (GO, PE, RJ, RS, SC, SP e ainda no DF) e em três países: Alemanha, Estados Unidos e Peru.
As capacitações realizadas por meio de programas de aceleração do Sebrae-RN foram fundamentais para o desenvolvimento dos dois empreendimentos. A Amada Minhoca, por exemplo, nasceu em 2022. A empresa é o sonho das sócias Neli Orgânica e Giovanna Thuya, que surgiu quando elas começaram a coletar resíduos na Feira do Alecrim, na zona Leste de Natal, para transformá-los em terra. “A ideia era, com isso, plantar nosso próprio alimento. Com o tempo, a gente viu uma oportunidade de negócio e, no início do ano passado, criamos o registro de MEI [Microempreendedor Individual]”, afirma Giovanna Thuya. Hoje, a empresa atende a mais de 30 clientes na capital e também em Parnamirim e Nísia Floresta, na Região Metropolitana.
A Amada está instalada na Colônia do Pium, em uma área de 6 mil metros quadrados, que conta, inclusive, com parquinho infantil, uma vez que as empresárias atuam também com educação ambiental para crianças e adolescentes. “Basicamente, nós pegamos os resíduos em casas e empresas, transformamos em adubo, devolvemos uma pequena parte para os nossos clientes e o restante nós vendemos ou utilizamos na criação de hortas”, explica Neli Orgânica. As vendas acontecem em feiras, pela internet ou em um ecoponto mantido pela empresa em Ponta Negra, na zona Sul de Natal.
O trabalho de recolhimento dos restos orgânicos é feito por meio de baldes de 25 litros ou de bombonas de 50 litros, deixados nas empresas (a maioria, restaurantes) e casas. Junto, ficam também um saco de serragem e um manual com instruções para o armazenamento dos resíduos. A coleta é feita semanalmente ou quinzenalmente. Todo o processo de compostagem é realizado em Pium.
“A gente cobra uma mensalidade, que varia de R$ 50 a R$ 70 e, no caso de grandes geradores, os valores são a combinar dependendo da quantidade de resíduos. A mensalidade inclui as coletas, o balde, a serragem e o pacotinho de adubo no final do mês”, explica Thuya. As meninas também fazem oficinas educativas e cursos em escolas, instalam hortas, vendem composteira e participam de licitações para garantir a viabilidade econômica do negócio.
“Nós estamos, inclusive, precisando aumentar a produção, porque tem gente que quer fazer hortas. Então, acaba consumindo todo o nosso adubo e não sobra para vender”, afirma Neli. Além das duas, a empresa conta com uma fotógrafa, uma assessoria de comunicação e um funcionário que auxilia no processo de compostagem.
Startup promove empreendedorismo colaborativo entre minorias
Durante o isolamento social em razão da pandemia de covid-19, Andreia Souza, a cabeça barulhenta por trás da iniciativa, como ela mesma gosta de se definir, decidiu criar um grupo de WhatsApp para a interação de filhos de mães solo, mas, logo em seguida, veio o questionamento: o que as mães iriam fazer enquanto as crianças interagiam? Andreia, então, pediu à Prefeitura um espaço na programação do Natal em Natal, em 2021, para que as mães pudessem expor alguns produtos. Como os prazos de licitação para participação já haviam acabado, a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres (Semul) prometeu um local em um dos principais shoppings da capital durante as comemorações pelo mês da mulher, em março de 2022.
“O pessoal do shopping cedeu um espaço onde nós montamos uma pop-up store. Deveríamos ter ficado por 15 dias, mas ficamos por um mês. Era uma loja em um dos melhores pontos do estabelecimento, com direito a espaço instagramável”, conta Andreia. Depois de deixar o shopping, o grupo conseguiu um novo espaço para exposições, em um hotel em Ponta Negra, onde permaneceu por mais um ano. Graças a isso, a Valentes só cresceu e começou a reunir pequenos empreendedores dos mais variados setores. Hoje, são 200 parceiros espalhados pelo País (30 deles no RN) e também no exterior.
“Nós temos gente que trabalha com acessórios, arte, beleza, cultura, decoração, gastronomia, moda, música, arquitetura, serviços de psicologia, fotografia, maquiadora. São mães solo, mães atípicas, mulheres com deficiência, 50+, profissionais do sexo e outras. Homens também passaram a integrar nosso grupo, mas as mulheres são 80% [da Valentes]. Somos um grande plus. Nossa principal missão é levar esses empreendedores a eventos para que eles possam fazer conexões e comercializar produtos e serviços”, explica Andreia.
“No caso das profissionais do sexo, não vendemos o sexo, mas os demais potenciais que essas mulheres têm. Algumas delas cantam, dançam e fazem renda. Nós estamos providenciando para que elas façam cursos de maquiagem para ter outras portas abertas em um mercado com tanto preconceito”, completa a CEO.
Os empreendedores podem atuar diretamente na realização dos eventos, como aconteceu recentemente. “Tivemos o ‘Entre Elas’, para noivas e debutantes, e foram profissionais integrados a Valentes (maquiadora, empresa de locação de produtos de festa, buffet, fotógrafo) os responsáveis pela organização. Nós fizemos toda a intervenção e levamos, ainda, peças de renda renascença com mosaico. A ValenteZ, um braço nosso que tem como público-alvo adolescentes a partir dos 14 anos, levou modelos de uma agência integrada a nós”, relata a CEO.
Parceria permite conexões e negócios com outros estados
A artesã Oscarina Braga, de 68 anos, ou dona Oscarina, como é carinhosamente chamada, aprendeu a fazer renda renascença ainda menina, no interior de Pernambuco e não parou mais. “Eu tinha 7 anos quando aprendi. Não me lembro ao certo como tudo aconteceu. Só recordo que uma senhora apareceu na casa de uma vizinha e decidiu ensinar a técnica para mim e para minhas irmãs”, conta ela, que iniciou a jornada em um pequeno distrito do Município de Poção, distante cerca de 240 km de Recife.
A cidade é considerada a “capital da renda renascença”. A técnica de origem europeia é tecida em almofada, com aplicações a adornos das mais diversas peças. “Aprendi em sacas de feijão, porque não tinha o material adequado. Foi uma época difícil, sem energia elétrica e, para trabalhar à noite, a gente usava lamparina a gás”, relata dona Oscarina. Aos 15 anos, ela deixou Pernambuco para morar em São Paulo, onde se casou. Mesmo distante da terra natal, a artesã nunca parou de produzir as peças. “Eu usava outro tipo de fita, porque em São Paulo não conseguia encontrar a original”, diz.
Na década de 1980, dona Oscarina mudou-se para o Rio Grande do Norte, onde voltou a se dedicar à arte com maior afinco. Atualmente, ela vive e mantém um ateliê em Nova Parnamirim, na Grande Natal. As peças produzidas sob encomenda são as mais variadas: vestidos de noiva e infantis, roupas para batizados, sapatinhos, guardanapos, toalhas de mesa, porta-óculos. Algumas são inteiramente de renda renascença, enquanto em outras a técnica é utilizada apenas como detalhes.
O encontro com a Valentes se deu logo quando a startup montou a pop-up store. “Foi um encontro muito especial. Eu já divulguei muitos produtos com a Valentes. Aliás, quando se fala em divulgação, Andreia tem uma língua boa [risos]. Vale muito a pena participar desse projeto”, atesta dona Oscarina, que agora irá lançar, junto com a Akalunga, grupo de costureiras negras de Goiânia (GO) parceiro da Valentes, peças que trazem detalhes em apliques da renda renascença. “Esse é o foco: unir legados, conectar pessoas e gerar impacto”, frisa Andreia Souza, CEO da Valentes.
A ideia agora é a gravação de um curso com dona Oscarina para que uma nova geração consiga aprender as técnicas de renda renascença. “Queremos pessoas que façam a produção para ela”, conta Andreia. Outra parceria recente comemorada pela Valentes resultou na aquisição de 100 agendas por parte de uma marca com foco na sustentabilidade. Os itens são confeccionados pela Koala’s Papelaria, criada por uma mãe solo e que integra a startup. A Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres também deve fechar parceria para a compra das agendas.
A viabilidade financeira da empresa se dá por meio de comissões ou da realização de eventos, bem como da participação em editais. “A gente fica com 10% de comissão dos produtos vendidos pelos empreendedores via parceria. Quando é a Valentes quem realiza diretamente o evento, como aconteceu com o Entre Elas, nós não cobramos nenhum tipo de comissão, porque quem nos paga é o contratante [do evento]”, detalha Andreia Souza.
Além da conexão com outros estados, a Valentes mantém parceria com a Fundação Redwood, nos Estados Unidos, para a obtenção de cannabis, através da mediação de ações de judicialização, de acesso a médicos e a medicamentos à base da droga medicinal, para pessoas em tratamento e que não têm condições de arcar com os custos. Na Alemanha e no Peru, as parcerias permitem a valorização da cultura negra e a ligação com os povos originários.
Negócios querem expansão com metaverso e atendimentos a grandes empresas
Reunir tradição e futuro é uma importante preocupação da Valentes. Para isso, a startup está desenvolvendo a ValenteZ, com foco em empreendedores a partir dos 14 anos. A empresa também está investindo em uma plataforma digital, com showroom, onde a relação de empreendedores atual será inserida. Em fevereiro deste ano, a Valentes lançou a própria criptomoeda, a VLT, que tem como desenvolvedor um investidor-anjo em startups, o paulistano Miro Leite. Além disso, o grupo conseguiu uma casa no conjunto Potilândia, na zona Sul de Natal, onde pretende se instalar até no próximo mês de julho.
Os planos até 2026, segundo a CEO da Valentes, são chegar ao metaverso. “É por isso que estamos dedicados ao desenvolvimento da ValenteZ. A gente quer pegar os jovens e treiná-los para que sejam traders e mineradores. Na nossa plataforma digital, teremos cursos e uma das formas de pagamento será em cripto. No contexto dos negócios, temos as peças de dona Oscarina que custam até R$ 8 mil. Por que ela não pode ter como forma de pagamento a criptomoeda?”, questiona Andreia Souza.
“O dinheiro é o que forma um grupo forte, então, nós queremos ter uma moeda, como ocorre com a bitcoin. E, nesta realidade digital, quando a gente fala de mulher periférica preta, nós somos os últimos, em um grande grupo de minorias a ter acesso à informação. Por isso,, queremos ensinar as pessoas o que é uma criptomoeda”, complementa a CEO.
Na Amada Minhoca, as metas para a ampliação do negócio envolvem a intensificação de trabalhos sobre educação ambiental. “Queremos nos tornar um pátio de compostagem para atender grandes empresas e gerar cada vez mais impacto ambiental. Também queremos impulsionar a educação ambiental junto a prefeituras e escolas, para fazer uma conscientização de base”, diz Neli Orgânica, uma das sócias da Amada.
Capacitação e apoio para gerar impacto
Gerar impacto, seja social ou ambiental, é o foco dos negócios que integram esta reportagem. E para isso, capacitação e apoio são fundamentais, o que é feito por meio dos programas de aceleração do Sebrae-RN. A Amada Minhoca, por exemplo, participou do edital do programa Regenera, no ano passado, o qual faz parte dos esforços da entidade em fortalecer o ecossistema de negócios inovadores com alto impacto social ou que promovem o equilíbrio ambiental.
“O edital concedeu R$ 30 mil à Amada. Eu digo que isso nos garantiu dignidade. Compramos uma peneira automatizada (antes usávamos uma de pedreiro), seladora e outros equipamentos”, descreve Neli. Já a Valentes integrou o programa Quartzo em 2022, hub de inovação exclusivo para mulheres negras potiguares. “O Sebrae foi fundamental para o apoio no que diz respeito ao viés do empreendedorismo, de modo particular, no início de tudo, quando buscávamos maior expertise”, conta Andreia Souza, CEO da startup. A dedicação em buscar se capacitar e a oportunidade de contar com apoio do Sebrae têm gerado frutos que resultam em impactos diversos (saiba mais no áudio abaixo).
E esses impactos só são possíveis graças ao estímulo aos pequenos negócios, os quais, aliado às preocupações socioambientais, são imprescindíveis para uma “transformação positiva do mundo”, conforme avaliação de Elisete Lopes, gestora dos projetos RN Plural e Negócios de Impacto Socioambiental do Sebrae no Rio Grande do Norte em entrevista à TN. Confira:
Entrevista
Elisete Lopes, gestora dos projetos RN Plural e Negócios de Impacto Socioambiental do Sebrae-RN
Qual o objetivo dos programas geridos pelos projetos RN Plural e Negócios de Impacto Socioambiental?
Os programas de pré-aceleração e de Aceleração de Negócios de Impacto Socioambiental são voltados para desenvolver empreendedores que pretendem promover resultados positivos. Esse desenvolvimento começa na fase da ideação, passa pela prototipagem e chega à operação dos negócios.
Como é o atendimento a esses negócios? Existe a preocupação com as peculiaridades de cada um?
Precisamos ter um olhar sensível para o empreendedorismo com foco nos negócios de impacto. Esse é um modelo que aponta para as necessidades gritantes do mercado e da sociedade e que foca, sobretudo, na inovação e na criatividade. Percebemos, como instituição de apoio ao empreendedorismo e aos pequenos negócios, que há carência de conhecimento em gestão, de ferramentas de desenvolvimento de negócio e de investimento para esse tipo de empreendedorismo. Esse cenário impede, muitas vezes, que os negócios possam escalar e consequentemente impactar positivamente e de maneira exponencial a região onde estão inseridos. Nesse contexto, vejo o Programa Regenera e o Quartzo como ferramentas efetivas de fortalecimento e impulsionamento dos negócios de impacto socioambiental, de geração de renda e de transformação positiva do mundo.
E o que esses programas oferecem para os pequenos negócios?
Os programas oferecem uma trilha robusta de soluções, com disponibilização de mentorias, capacitações e consultorias. Além de ofertar ações de conexão com o mercado que promove a aceleração, permitindo que eles evoluam e consigam alcançar melhores resultados. Mas, o foco é, sobretudo, na modelagem de negócios que centra na promoção do impacto positivo, seja social ou ambiental. Esse novo modelo de negócio é a prova viva que é possível unir lucratividade e propósito. É possível ganhar dinheiro e mudar o mundo.
O que dizem as fontes dessa reportagem sobre o impacto promovido pelos próprios negócios:
“No Brasil, 50% dos resíduos produzidos são orgânicos, então, a compostagem já resolve metade dos problemas [ambientais], uma vez que a gente gera menos carbono na atmosfera e menos gases de efeito estufa. Do ponto de vista empresarial, ter um contêiner apenas para os resíduos orgânicos traz muito mais organização, porque torna tudo mais prático na hora de retirar o lixo seco. Isso gera, inclusive, economia de recursos” (Neli Orgânica, sócia-fundadora da Amada Minhoca)
“Na Valentes, entramos sós, viramos nós. Então, o primeiro impacto é entender que nós podemos realizar sonhos e negócios de forma coletiva. A gente promove a livre concorrência de forma sempre positiva entre os pequenos empreendedores” (Andreia Souza, CEO da Valentes
“Nosso impacto chega lá na casa das pessoas que adquirem nossos serviços. Vejo que, no longo prazo, quem começa a fazer compostagem também começa a separar outros resíduos. Esse trabalho de educação ambiental com nossos clientes e as escolas leva a um novo olhar, no sentido de as pessoas ficarem mais atentas ao lixo, principalmente crianças e adolescentes com os quais a gente atua. Isso significa que elas já vão entrar no mercado de trabalho com esse olhar para a sustentabilidade e a regeneração” (Giovanna Thuya, sócia-fundadora da Amada Minhoca)

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