Fabio Faccio, CEO da Renner, diz que a empresa e todos os setores da economia vão continuar brigando por isonomia com as plataformas asiáticas. E avisa: “não é o pobre que está sendo beneficiado, mas sim quatro gigantes mundiais”
Carlos Sambrana 03/06/24
Fabio Faccio, CEO da Renner
Nos últimos anos, uma guerra se instalou no mercado brasileiro. De um lado, varejo, indústria e, mais recentemente, sindicatos de trabalhadores. Do outro, quatro poderosas plataformas asiáticas como AliExpress, Shein, Shopee e Temu. Acusações de fraude e ilegalidades de um lado, e argumentos de que os brasileiros têm medo da competição do outro.
Independentemente das narrativas, o fato é que, na ponta do lápis, as plataformas internacionais têm, sim, a vantagem de pagar menos impostos do que as empresas nacionais, em uma competição desigual. Desde 2023, quando criou o programa Remessa Conforme, o governo zerou o imposto de importação para compras de até US$ 50.
Isso fez crescer de forma avassaladora a importação dessas plataformas – estima-se em R$ 50 bilhões desde então – e as companhias nacionais perderem muito espaço e, consequentemente, reduzirem postos de trabalho. Atenta a isso, a Câmara aproveitou para incluir no programa Mover, da indústria automotiva, a taxação de 20% dessas plataformas.
Nos bastidores, o presidente Lula chegou a dizer que vetaria uma taxação maior que 20%. O argumento é o de que a população precisa comprar produtos baratos, as “blusinhas”, como já disse a primeira-dama, Janja. Para alguns grandes players do setor, isso é uma narrativa criada pelas empresas chinesas nas redes sociais.
“Não é o pobre que está sendo beneficiado. São quatro das maiores empresas do mundo que estão sendo beneficiadas”, diz ao NeoFeed, Fabio Faccio, o CEO da Renner, referindo-se a Shein, Shopee, Temu e AliExpress, gigantes chinesas com bilhões de dólares em faturamento e alcance global. O que está em jogo é muito mais do que blusinhas.
“É tudo o que é vendido no País. São eletrônicos, medicamentos, vitaminas, têxteis. É tudo. Não é só moda”, diz Faccio. “Estamos fomentando o crescimento de empresas e países asiáticos e estamos quebrando o nosso país.”
A votação no Senado acontece na terça-feira, 4 de junho. Em seguida, vai para a sanção – ou veto – do presidente da República. O fato é que, mesmo se for aprovado, o imposto não resolve a discrepância entre os produtos nacionais e os internacionais.
“Na verdade, o correto seria algo entre 45% e 60% de imposto federal, mais o imposto estadual, que deveria ser entre 22% e 25%. Isso é o correto para dar isonomia. Fora que é preciso coibir fraude”, afirma Faccio. “Vamos continuar brigando por isonomia.”
A disputa, ao que parece, não acaba agora. Ainda tem muita discussão em jogo. E os temas principais dessa batalha foram falados em uma conversa com o NeoFeed. Acompanhe:
Os industriais e os varejistas brasileiros estavam lutando para que as plataformas internacionais, sobretudo as chinesas, pagassem o imposto de importação nos produtos de até US$ 50, algo que estava isento. Como você enxerga a decisão da Câmara que fixou o imposto em 20%?
Na verdade, o correto seria algo entre 45% e 60% de imposto federal, mais o imposto estadual, que deveria ser entre 22% e 25%. Isso é o correto para dar isonomia. Fora que é preciso coibir fraude. Os caras estão vendendo o par de sapato separado de marca de luxo para caber dentro da isenção. E ainda tem par de sapato de marca de luxo pirata. Acho que uma coisa é o imposto, a outra coisa são as fraudes, as ilicitudes: produtos piratas, produtos ilegais, produtos não regulados. A gente vai continuar batalhando em tudo isso.
E na questão do imposto?
Como disse, o correto seria algo entre 45% e 60% de imposto federal e entre 22% e 25% no estadual. Agora a briga é para ou chegar nesse patamar deles ou baixar o nosso, que é o melhor. A briga não é para aumentar impostos, é para ter impostos iguais.
Então não foi suficiente?
Vamos por partes. Acho que ganha as grandes guerras vencendo cada batalha. A gente caminhou metade do caminho, eles não pagavam nada, tinha a questão dos 17% de ICMS que, na prática, não recolhiam, ou recolhiam muito pouco porque alguns estados ainda não tinham como fazer a cobrança. Então estava meio perdido esse assunto. Agora, com essa regulamentação dentro do programa Remessa Conforme, com a cobrança do imposto federal, fica automático o repasse do estadual também. Então, na prática, eles estavam entre zero e 17%, agora eles passam a ter uma carga tributária total de 44,6%. Porque você calcula o ICMS por dentro do imposto federal. Então, se a gente está falando uma carga média de 90%, no nosso caso, diria que a gente andou a metade do caminho. A isonomia não foi atingida. Mas a situação melhora drasticamente sobre o que era zero e passou para 44,6%. Foi um grande passo. E, mais do que isso, todo mundo tomou ciência também das fraudes, da pirataria, as irregularidades que vão ser combatidas.
“A briga não é para aumentar impostos, é para ter impostos iguais”
Quais serão os próximos passos?
A gente conseguir chegar numa alíquota justa e igual, seja na federal, seja na estadual, mas que se aproxime das que a gente tem. Mas acho que foi uma grande vitória, se a gente pensar. Estávamos lutando contra as quatro maiores empresas do mundo (AliExpress, Temu, Shoppe e Shein), contra o governo chinês. Furamos uma bolha. Desde 2018 que a gente não avançava nesse assunto. Mas ainda tem uma batalha grande até a isonomia. Muda o jogo, mas a batalha continua.
Falando em jogo, essa batalha já vem faz tempo. O governo instituiu o programa Remessa Conforme depois de todo o setor alertar sobre o volume de produtos que chegava ao Brasil sem pagar imposto. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que isentaria compras em até US$ 50 para saber o real volume e depois voltaria com o imposto de importação. Mas isso não aconteceu e o próprio presidente Lula já disse que vetaria imposto. Como você enxerga essa situação?
O problema ali se arrasta desde 2018. Recentemente, no Congresso, o Haddad trouxe bem o contexto e o histórico da questão. Nas palavras de todos ali e na dele, principalmente, vinham sendo cometidas muitas fraudes por essas gigantes asiáticas. E por quê? Porque o De Minimis foi criado para transações não comerciais para envio de presentes entre pessoas físicas de até US$ 50. As plataformas asiáticas fraudavam os envios se fazendo passar por pessoas físicas. Até o próprio secretário da Receita Federal, Barreirinhas (Robinson Barreirinhas), citou numa entrevista também que identificou mais de 16 milhões de envios de uma pessoa física para o Brasil. Uma fraude escandalosa. E usavam isso para tentar se enquadrar a um benefício fiscal que não era para transações comerciais, não era para empresas. Esse é um dos crimes que eles cometiam.
Quais outros eram cometidos?
Todos os setores alertaram e o próprio ministro da Fazenda admitiu que tem ciência total dos crimes, dessas fraudes e da pirataria, com produtos enviados sem obedecer às normas regulatórias brasileiras, atentando à saúde das pessoas, desde 2018. Não é uma coisa deste governo ou do governo passado, é uma questão que transpassa governos. É uma política expansionista de alguns países asiáticos de dominação comercial ao nosso país. Os demais países no mundo estão se protegendo disso.
“É uma política expansionista de alguns países asiáticos de dominação comercial ao nosso país. Os demais países no mundo estão se protegendo disso”
De que forma?
Alguns por isonomia, outros por protecionismo. O que os nossos setores pedem é isonomia, não é proteção. O que alguns países têm feito é tirado o De Minimis, ou baixando para US$ 3, ou fazendo sobretaxa, ou colocando barreiras tarifárias. Posso citar aqui a Índia, que bloqueou várias dessas plataformas; a Espanha, que bloqueou várias dessas plataformas; a Europa, que criou sobretaxas sobre esses produtos; a Indonésia, que baixou o De Minimis para US$ 3; e o Estados Unidos que está discutindo sobretaxas para esses produtos. O Brasil é o único país do mundo em que estamos numa situação diferente.
Por quê?
Nós temos a maior carga tributária do mundo e, por isso, a situação é mais grave. Ninguém no mundo paga a carga tributária que uma empresa brasileira e o povo brasileiro pagam. O grande problema é que governo brasileiro criou o programa Remessa Conforme com a isenção de US$ 50 dizendo que era para incentivar a entrada das plataformas e que, em outubro do ano passado, definiria o imposto. O Brasil é país mais complexo do mundo do ponto de vista tributário. Na média, recolhidos pelas empresas, mas pagos pelo consumidor, a soma dos impostos estaduais e federais é de 90%. Essas plataformas asiáticas já têm benefício tributário, que é a simplificação. Elas deveriam pagar somente em média 22% de ICMS e deveriam pagar os 60% de imposto de importação que traduz os impostos federais. Nunca pagavam. Então, a Remessa Conforme instituiu dois benefícios. Em vez de pagarem os ICMS de cada estado, tiveram uma simplificação do imposto estadual, pagando a alíquota mínima da época, que era de 17%. Quando todas as empresas nacionais pagam em média 22%, eles pagam 17%. Quando deram a isenção do imposto de importação, a disputa ficou totalmente desleal. E, o que era até outubro do ano passado, está durando até agora. Cada mês que passa, perdemos mais empregos.
Quantos empregos foram perdidos?
De outubro para cá, estima-se em 30 mil. Entre varejo e indústria, 18 milhões de empregos estão em risco. A cada dia que passa, a situação piora. Nos últimos 12 meses, temos uma estimativa de R$ 50 bilhões de faturamento dessas empresas. São R$ 35 bilhões a menos de impostos recolhidos. Isso aumenta os empregos nos países asiáticos e diminui empregos no Brasil. Como se abre mão de R$ 35 bilhões em impostos em benefício das maiores empresas do mundo? Não é em benefício das pessoas de baixa renda. É benefício para quatro empresas gigantes mundiais. Se a gente quiser dar benefício fiscal para o pessoal de baixa renda, e eu concordo, dá na comida. Ou baixa o tributo de todas as empresas nacionais. Aí a pessoa de baixa renda pode escolher o que ela quer comprar.
“De outubro para cá, estima-se em 30 mil (empregos perdidos). Entre varejo e indústria, 18 milhões de empregos estão em risco. A cada dia que passa, a situação piora”
Mas o presidente Lula disse em algumas ocasiões que talvez vete a taxação…
O governo diz isso porque tem uma narrativa falsa de que isso é de interesse da população mais pobre. É mentira. Temos várias pesquisas que mostram que não são eles que compram. Temos pesquisas mostrando que a população de menor poder aquisitivo é favorável a taxação das gigantes asiáticas e que, se é para baixar imposto, tem que baixar para todo mundo. Eles têm receio de perder os empregos. Inclusive tem um manifesto, que acho que é a primeira vez que acontece na história, que traz, além de todas as associações de setor, a Confederação Nacional do Comércio, que engloba todo o comércio de todos setores; a Confederação Nacional da Indústria, que engloba todos os setores industriais; a Fiesp; a Confederação Nacional da Agricultura, que o Brasil é um país agrícola e ele tem todo interesse também no tema; e a Força Sindical, a UGT, a CUT e mais umas quatro ou cinco centrais sindicais. Eles entenderam que há uma falsa narrativa de que beneficia a população mais pobre. Na verdade, beneficia quatro gigantes asiáticos em detrimento da população mais pobre e de toda a indústria e varejo nacionais. Eles começam a entender isso.
O que fez eles passarem a entender isso?
Acho que está ficando cada vez mais claro que a coisa está piorando a cada dia. E o próprio ministro da Fazenda, também no seu discurso, disse que, além de serem criminosos, a luta do comércio e da indústria por isso é justa e correta, que precisa ser definida uma alíquota. O grande ponto é que se a alíquota é 45% ou 60% federal, essa é a discussão deveria começar com 35% para chegar a 60%. Agora, o grande problema é que, enquanto não se resolve isso, ela está em zero. É uma diferença absurda de preço e o imposto está embutido no preço. Isso está quebrando o pequeno e o médio varejo.
Mas preocupa as grandes empresas também…
Sabe por que as grandes empresas estão falando? Porque elas são mais ouvidas, infelizmente. Porque quem está sofrendo mais não é a grande, é a pequena e média. A grande empresa está sofrendo também, mas ela tem recurso para, se necessário, operar como os chineses.
Fabricar fora do Brasil?
Exatamente. Pode fechar a sua operação aqui e abrir no Paraguai, Uruguai, Argentina ou na própria China. Ninguém quer fazer isso. Só que, pela forma como o tema está sendo tratado, alguns players já estão fazendo. Já tem empresas nacionais, que já tinham operações internacionais, que estão reduzindo suas operações nacionais e aumentando as internacionais. Isso é absurdo dos absurdos.
“A grande empresa está sofrendo também, mas ela tem recurso para, se necessário, operar como os chineses”
A Renner vai fazer isso?
A Renner não quer fazer. Vamos fazer de tudo para que isso não aconteça. Mas somos obrigados a avaliar. Se a gente trabalha tanto para mudar o contexto, não quero ser obrigado a ter que fazer isso. Não faz sentido.
Vejo muita gente dizendo o “imposto da blusinha”, até outros veículos de comunicação batendo na tecla de que é o “imposto da blusinha”. Não falta entendimento de que é algo muito maior?
Tem uma questão populista, de uma narrativa falsa sendo ventilada por algumas pessoas importantes, tanto do governo atual como do anterior, tentando puxar essa linha dizendo que vão votar contra porque estariam protegendo a compra de bugigangas ou a compra de blusinhas. Tem que entender que US$ 50 são R$ 260. Com o imposto de 60%, são R$ 400, estaria vendendo por R$ 400. Isso não é bugiganga, não é blusinha. É tudo o que é vendido no País. São eletrônicos, medicamentos, vitaminas, têxteis. É tudo. Não é só moda.
“Na história do mundo, temos regimes protecionais, liberalistas e temos o nosso aqui, que é novidade no mundo. É um protecionismo às avessas, que quebra um país”
Há quem diga que essa reação das empresas brasileiras é porque tem medo de competição. O que você tem a dizer sobre isso?
Acho ótimo ter concorrência. Várias empresas, de todos os setores aqui, são estrangeiras. Dias desses, dei uma entrevista em que estávamos eu, o CEO da Riachuelo e o CEO da Leroy Merlin, que é uma empresa francesa. Empresa francesa que está gerando empregos no Brasil, recolhendo os tributos, operando no Brasil. O presidente da Leroy falou ‘olha, é contra meus princípios fazer isso, contra a minha minha convicção parar de operar dentro do país, operar de fora do país’. Não entendo por que o governo não entende isso, tanto o anterior como o atual. Não é uma crítica contra uma pessoa. É uma agenda patrocinada pelas gigantes asiáticas, que ficam fazendo uma força muito grande nas redes sociais. O governo e alguns políticos são influenciados por essas redes sociais achando que essas redes sociais traduzem o desejo do povo. Na verdade, são alguns poucos influencers contratados e outros que têm comissionamento nas suas vendas fazendo grande volume nas redes sociais, fora os robôs. Isso direciona como vai ser conduzida a economia brasileira.
Você acha que as decisões estão sendo tomadas muito menos com as questões técnicas e mais no calor das redes?
Eu tenho certeza disso. Tecnicamente, não há um argumento que sustente isso. Na história do mundo, temos regimes protecionais, liberalistas e temos o nosso aqui, que é novidade no mundo. É um protecionismo às avessas, que quebra um país. Uma carga tributária maior para a empresa nacional do que para a estrangeira. Só queremos que eles paguem o mesmo que a gente. E nos países de origem elas ainda têm incentivos fiscais e subsídios para envio de produtos, o que é ilegal, proibido pela Organização Mundial de Comércio, isso é dumping. As empresas nacionais têm de lidar com tudo isso? Isenta para as empresas brasileiras também.
Você disse que os sindicatos entraram na conversa também. Mas entraram agora. O que mudou?
O setor produtivo muitas vezes é visto por alguns como vilão, quando, na verdade, é a tábua de salvação do país. Quem gera emprego e quem trabalha é o trabalhador e o empresário, o setor produtivo. Eles estão juntos. É o que move o país. Acho que os sindicatos acabaram aderindo um pouco mais tarde porque agora que estão sentindo os reflexos. Num primeiro momento, as varejistas perdem venda, depois as indústrias perdem encomenda. Depois, começa a diminuir empregos no varejo e, na sequência, na indústria. Só que agora a coisa está enorme.
Qual o seu diagnóstico do que está acontecendo?
Estamos fomentando o crescimento de empresas e países asiáticos e estamos quebrando o nosso país.
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