No mercado de trabalho, profissionais LGBTQIA+ ainda enfrentam preconceitos e estereótipos, com barreiras no acesso a oportunidades, permanência nas empresas e na ascensão de cargos. Na próxima sexta-feira (28/6), comemora-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA, data marcada para lembrar os 55 anos da luta de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexos, assexuais e outros contra a discriminação e o assédio e pela autoafirmação.
A realidade dessa população destaca a necessidade de políticas de inclusão de pessoas LGBTQIA+, que, como todo cidadão, possuem os direitos básicos de se expressar, ter acesso à saúde, à educação e ao trabalho, garantidos na Constituição. Com isso, a diversidade também deve passar pelas empresas, que devem promover a inclusão desses profissionais, oferecendo oportunidades de crescimento e um ambiente de trabalho saudável para pessoas LGBTQIA+.
“A inserção no mercado de trabalho e a carreira das pessoas LGBTQIA+ são marcadas por muita luta, discriminação e preconceito, pois numa sociedade na qual a diversidade é considerada uma ameaça, as pessoas dessa comunidade não têm a mesma oportunidade de crescimento profissional do que pessoas cis-heterossexuais. Muitas vezes, cargos de liderança ou de gestão não são ofertados para os indivíduos que não se enquadram nos padrões que a sociedade considera como válidos, desconsiderando a capacidade técnica de um profissional LGBTQIA “, afirma Eduardo Felype Moraes, advogado especializado nos direitos da comunidade.
Em 2023, foram registradas 230 mortes violentas contra pessoas LGBTQIA , aponta o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI , encomendado pelas organizações da sociedade civil Acontece Arte e Política LGBTI , Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). Os números colocam o Brasil como o país que mais mata pessoas da comunidade. Nos primeiros cinco meses do ano passado, foram 2.536 denúncias de violações pelo Disque 100, canal de ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, representando um aumento de 300% em comparação com o mesmo período de 2022.
Guilherme Aguiar, 33 anos, se assumiu como homem gay por volta dos 22 anos. Hoje, trabalha no Sabin como analista de marketing e diz que se sente seguro em um ambiente que valoriza a diversidade. “A gente se sente seguro de vir trabalhar sabendo que há políticas pensando na gente. As empresas deveriam, em primeiro lugar, escutar os colaboradores, trazendo melhorias tanto para equipe quanto para a cultura da empresa”, conta.
Em 2018, o Sabin criou o Programa de Diversidade e Inclusão, envolvendo cinco temas e grupos minoritários: etnia, gênero, pessoas com deficiência, LGBTQIA e gerações. “A ideia do programa é fortalecer a representatividade no ambiente de trabalho, tornando-o mais acolhedor e inclusivo, livre de preconceitos”, explica Marly Vidal, diretora de Pessoas e de Gestão do Sabin. Um censo realizado pela empresa no ano passado mostrou que 12% dos colaboradores se identificam no grupo LGBTQIA , com 95% se sentindo valorizados no ambiente de trabalho.
Daniele de Araújo, 44, que se identifica como mulher lésbica, é assistente administrativa na Bancorbrás e compartilha do sentimento de acolhimento de Guilherme: “Nunca tive nenhum problema com relação a essa situação aqui. A gente trabalha com profissionalismo, não com a sexualidade”. Daniele também é integrante do Comitê de Diversidade da empresa, que faz ações de conscientização interna e externa sobre o respeito à diversidade.
Júlio Cardia, CEO do Centro LGBTQIA de Brasília, aponta que, para se manter no ambiente de trabalho, muitos profissionais que se identificam com a sigla assumem outra personalidade, a fim de se adequar aos padrões sociais e evitar preconceitos. “Quanto mais você se distancia da norma de gênero ou de orientação sexual, mais difícil conseguir uma vaga de trabalho. Então, chegar ao trabalho e manter-se nele é mais complexo devido aos marcadores de violência. Quando a gente fala de manutenção no espaço de trabalho, muitas vezes, você tem que adquirir uma personalidade diferente para se manter lá dentro, senão você vai ser alvo de retaliações.”
É o caso de Lucas Rufino, 31, que enfrentou situações de preconceito no ambiente de trabalho por ser um homem gay, moldando seu comportamento para evitar discriminação. “Eu tinha um jeito afeminado e estava na fase da puberdade, então ouvia muitas piadas maldosas. Fui criando uma resistência, não conseguia mais falar direito com as pessoas, tinha muita vergonha e medo. Elas não falavam sobre o que eu sabia fazer, mas sobre minha aparência, meu jeito e minha voz. Tentava achar um jeito de parecer masculino, mudando a voz e usando roupas que as pessoas diriam que eu era hétero, para ser mais aceito, sem que criticassem ou duvidassem do que eu conseguia fazer simplesmente pelo meu jeito de ser”, expõe.
Lucas define as duas últimas experiências profissionais como “cruciais” para a reafirmação de sua sexualidade. Hoje, é analista de comunicação interna e também faz parte do Comitê de Diversidade na Bancorbrás, descrevendo um sentimento de pertencimento na empresa. “Não precisei me esconder em momento nenhum, porque pude trazer minhas experiências sem ser julgado. Vi pessoas iguais a mim na empresa, então isso me dava mais confiança para ser quem eu era”, diz.
Thais Rita do Nascimento, 34 anos, que se identifica como mulher lésbica, relata um caso semelhante. “Sempre me mantive num perfil mais feminino, mas claro que me escondia, mentia que me relacionava com um homem e sempre ficava aquela questão de piadinhas e comentários sobre mim”. Atualmente, é supervisora de patrimônio e contas e integrante da Comissão de Diversidade no Sabin, e diz que o acolhimento na empresa foi essencial para a autoafirmação: “Isso foi uma parte do meu processo de me aceitar, porque é um lugar em que eu me sinto tranquila.”
A diretora Marly Vidal defende a diversidade no quadro das empresas, a fim de promover mais igualdade não só no mercado de trabalho, mas em todas as esferas sociais. “Quando a gente fala de uma força de trabalho diversificada, traz diferentes perspectivas, soluções mais inovadoras e eficazes. Isso não só atrai profissionais, mas contribui para combater as desigualdades estruturais e promover uma sociedade mais justa”, declara.
Para Guilherme Aguiar, o Dia do Orgulho LGBTQIA é um lembrete de “ser quem a gente é, sem vergonha ou medo, e de que a orientação sexual não define nosso caráter. Temos orgulho de quem somos, e não vai ser ninguém que vai acabar com esse brilho.” Daniele de Araújo acredita que a data “não só dá visibilidade para a existência de pessoas LGBTQIA , mas também mostra que queremos, acima de tudo, respeito e aceitação da sociedade”.
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá