Contabilidade de concessionárias de serviços públicos na reforma tributária – ConJur

13 de junho de 2024

é advogado no VBSO Advogados.
16 de fevereiro de 2024, 17h22
Neste breve texto, pretendemos contribuir com o debate sobre os impactos da reforma da tributação do consumo para as concessionárias de serviços públicos.
Considerando as inúmeras discussões travadas no Poder Executivo e no Poder Legislativo sobre as leis complementares que concretizarão as previsões dessa Emenda Constitucional nº 132/2023, pretendemos destacar algumas questões que nos parecem relevantes, mas que ainda não receberam a devida atenção.
Fugindo das principais discussões geralmente suscitadas até o momento, não nos ocuparemos de previsões particulares para certas concessões ou de questões expressamente endereçadas pela Emenda Constitucional nº 132/2023, como a adoção de mecanismos de cashback ou regime especial para bens de capital.
O ponto a ser abordado envolve a intersecção entre a reforma tributária e a disciplina contábil das concessões de serviços públicos.
De forma simplificada, a Interpretação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (ICPC 01) estabelece diretrizes para a contabilização de contratos de concessão, correspondendo à versão brasileira da norma internacional de contabilidade denominada Ifric 12.
Baseada em uma avaliação quanto à substância econômica desses contratos, a ICPC 01 identifica diferentes tipos de obrigações de performance que deverão ser observadas por uma concessionária.
A identificação de cada uma dessas obrigações significa, em termos práticos, a atribuição de receitas específicas ao seu cumprimento.

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No caso de concessões precedidas de execução de obra pública, simplificadamente, é comum observar o registro de: receitas de construção, relacionadas à implementação da infraestrutura da concessão, receitas de operação e manutenção e receitas financeiras relacionadas à remuneração do capital empregado pela concessionária.
A contrapartida de tais receitas poderá ser um ativo financeiro ou um ativo intangível, a depender das características específicas da concessão.
Não é oportuno detalhar essa disciplina contábil, sem dúvida, complexa.
Basta ver que o registro contábil dessas receitas de construção está dissociado da emissão de documentos fiscais ou do efetivo recebimento de caixa pela concessionária. No caso de uma transmissora de energia, por exemplo, haverá registro significativo de receitas de construção durante a fase em que a infraestrutura de concessão é construída.
No entanto, o recebimento em caixa ocorrerá apenas após a energização da linha de transmissão, quando se inicia a fase de operação. Nessa fase, a transmissora passará a emitir notas fiscais mês-a-mês, observando as orientações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Em termos da contabilidade societária, todavia, a transmissora não realizará novo registro de receitas nesse momento: haverá apenas realização do ativo formado anteriormente, quando as receitas de construção foram registradas.
Preserva-se a tributação de receitas
Atualmente, a legislação de PIS e de Cofins toma a disciplina contábil como referência, mas estabelece ajustes a serem implementados. Em vez de tributar as receitas de construção no período em que registradas na contabilidade, o artigo 56 da Lei nº 12.973/2014 determina a tributação “à medida do efetivo recebimento”.
Evita-se, assim, um descasamento temporal entre o registro contábil de receitas e o efetivo recebimento de caixa. Não se trata de mera opção do legislador por uma espécie de “diferimento”.
Uma análise mais aprofundada revela que o legislador tributário deixou de lado a visão econômica indicada no ICPC 01, de modo a preservar as relações jurídicas subjacentes: apesar de registrar receitas de construção, as concessionárias de serviços públicos não são construtoras.
Sua tributação, portanto, deve observar o tipo de atividade desenvolvida na concessionária, conforme definido no contrato de concessão.
Em outras palavras, para fins de PIS e de Cofins, a legislação preserva a tributação de “receitas” com base na remuneração efetivamente obtida pela concessionária, por exemplo, por meio da RAP, no caso das transmissoras, de tarifas, no caso de distribuidoras, ou de pedágios, no caso de administradoras de rodovias.
Desde o final de 2023, sabe-se que o PIS e a Cofins têm data marcada para serem extintos: em 2027, serão “substituídos” pela Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS). Qualquer um que tenha acompanhado a reforma tributária sabe que não apenas uma unificação de tributos ou mudança de nomenclatura: haverá a instituição de um tributo completamente diferente daqueles até então vigentes. Afinal, o fato gerador do PIS e da Cofins se traduz em “obter receita”, enquanto a CBS será guiada por “realizar operações com bens e serviços”.
Logo, as soluções trazidas pela legislação atual para lidar com as particularidades contábeis das concessionárias não poderão ser simplesmente transpostas para as leis complementares que regulamentarão a CBS (e, por consequência, do IBS).
Isso não significa que a disciplina contábil das concessões não mereça atenção. Basta pensar que a CBS incidirá sobre “serviços”. Ora, analisando a contabilidade de uma concessionária recém-iniciada (ainda na fase de construção), identificaremos diversas receitas de construção. Seria possível dizer que a concessionária está prestando um serviço de construção e deverá se submeter, de imediato, à CBS?
Em outras palavras, o registro contábil de receita será relevante para determinar aspectos materiais (sobre o que incide) e temporais (quando incide) da CBS? Ou, então, será relevante o momento de emissão de documento fiscal para lastrear a cobrança da remuneração devida à concessionária?
Risco de dupla incidência de CBS
Como se observa, o problema identificado envolve, em primeiro plano, uma questão de timing. Considerar uma concessionária como prestadora de serviço de construção poderia antecipar a incidência da CBS para a fase de construção, de forma totalmente dissociada na disciplina jurídica do contrato de concessão.
Porém, em um nível mais aprofundado de análise, haveria risco de uma dupla incidência de CBS. Afinal de contas, a concessionária continuará prestando os serviços abrangidos no objeto do contrato de concessão, provavelmente emitindo documentos fiscais para lastrear a cobrança direcionada, por exemplo, aos usuários do serviço público. Caberia outra incidência de CBS nesse momento? Parece óbvio afirmar que não.
Ocorre que, para a maior parte das concessionárias, não há previsão de regimes tributários diferenciados na Emenda Constitucional nº 132. Há risco, portanto, de que as particularidades enfrentadas pelas concessionárias não sejam adequadamente endereçadas.
O diagnóstico do problema está dado. Cabe, assim, trazer nossa sugestão para resolvê-lo: a tributação de bens e serviços fornecidos por concessionárias demanda disciplina específica, que esclareça o referencial para a incidência da CBS (e, por consequência, do IBS).
Preferencialmente, a lei complementar deverá afastar a relevância dos registros contábeis baseados na ICPC 01, ignorando que a concessionária registra receitas de concessão, a exemplo da legislação atual de PIS e de Cofins.
Seguindo dessa forma, a regulamentação da reforma tributária manterá um tratamento coerente: as concessionárias serão tributadas de acordo com a atividade que, da perspectiva jurídica, desenvolvem. Logo, o momento da tributação estará dissociado de registros contábeis, atentando-se para a efetiva cobrança da remuneração a que fazem jus (tarifas, preços públicos, etc).
Parece ser o caminho lógico, inclusive para permitir o destaque do IBS e da CBS no documento fiscal emitido nesse momento, amparando a apropriação de créditos pelo adquirente, quando for o caso.
A tentativa de simplificação do sistema tributário não pode ignorar particularidades enfrentadas por determinados setores ou modelos de negócios.
A criação de regras gerais, aplicáveis de modo amplo a toda e qualquer situação, deixa de gerar simplificação quando as particularidades de determinado caso geram potenciais distorções, como aquelas apontadas neste artigo.
Não se trata de criar diferenciação, mas de lidar com as diferenças — já existentes — de forma adequada.
é advogado no VBSO Advogados, bacharel e mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Tributário internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).
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ISSN 1809-2829

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