Segundo dados da pesquisa Global AI Index, o Brasil está acima de muitos países quando se trata da Inteligência Artificial (IA). O estudo revela que ocupamos a 35ª posição em termos de potencial de IA a nível internacional, superando nações como Nova Zelândia, Eslovênia e Islândia, além de o país ser líder na América Latina.
Esses dados refletem não apenas o crescimento significativo do Brasil no campo da Inteligência Artificial, mas também a crescente confiança e receptividade nacional em relação a essa tecnologia inovadora. Enquanto o país se destaca no cenário global, nossa população demonstra uma disposição cada vez maior para adotar e confiar na IA como uma ferramenta importante em diversos aspectos da vida cotidiana.
Como mostra a pesquisa Trust in Artificial Intelligence, da Universidade de Queensland, 56% dos brasileiros estão dispostos a confiar na Inteligência Artificial, sendo a terceira nação com maior nível de confiança na tecnologia ao nível global, logo atrás dos indianos e chineses.
Isso prova que o tema possui uma importância vital na atualidade, fazendo com que os desdobramentos ligados à sua regulamentação também influenciem diversos setores da sociedade e da economia.
Neste cenário, a União Europeia (UE) assumiu a liderança na pauta ao implementar recentemente a primeira legislação abrangente sobre a IA. É um marco que não só impactou a região por si só, como também as discussões sobre o assunto ao redor do mundo inteiro.
Como não poderia ser diferente, o fator primordial para essa repercussão é o fato de estarmos tratando de um dos blocos econômicos mais importantes de todo o mundo. Apesar de não liderarem em termos de inovação em IA, por se tratar de um bloco econômico tão importante, a regulamentação europeia referente ao uso dessa tecnologia não poderia deixar de ter um impacto importante sobre os demais países.
A UE é um mercado comercialmente importante, afinal, muitas empresas operam e vendem na comunidade europeia. Logo, suas políticas e práticas regulatórias acabam se tornando um modelo para outros países e regiões, com as decisões relacionadas a tecnologias emergentes interferindo nos rumos da transformação digital em várias nações.
Nesse contexto, a regulamentação recentemente aprovada pela comunidade europeia estabelece padrões para o uso da IA, guiando os seus caminhos no meio empresarial. Assim, é nesse sentido que precisamos compreender à risca como essas normas afetam diretamente a maneira como as companhias interagem com os aplicativos e sistemas da categoria.
Os principais pontos na regulamentação da IA
O ponto central das normas da UE é que a IA precisa ser segura, transparente, respeitosa e não discriminatória, alinhando-se com os valores éticos e constitucionais da comunidade europeia. Dentro dessa lógica, as regras estabelecem obrigações para o uso da tecnologia a partir de níveis de risco.
Por exemplo, utilizar a ferramenta para categorizar pessoas com base na sua raça, etnia e religião é proibido, pois é considerado um risco “inaceitável” e que traz uma possível ameaça aos seres humanos. Também é expressamente proibido realizar o reconhecimento facial em espaços públicos e fazer uso da IA para policiamento preditivo em tempo real. Essas regras são contempladas no primeiro nível de risco alto, que é o risco de quebra total de privacidade, com câmeras capazes de identificar qualquer pessoa que passa na rua.
No segundo nível, onde temos um risco aceitável, a IA deve respeitar alguns limites e obrigações de transparência, como o respeito à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), possibilitando identificar os padrões que a IA usou para fazer determinadas escolhas, oferecer ao usuário a opção de continuar ou não a interagir com aquele dispositivo digital, entre outros.
Normas como essa ressaltam que a IA é um recurso poderoso, podendo ser usada para uma gama imensa de oportunidades, desde que com responsabilidade. Logo, acredito que a tecnologia não pode ficar na mão de poucas empresas, muito menos sob uma autorregulamentação.
Apesar das regras de conduta estabelecidas com muito cuidado pela legislação, sob um ponto de vista macro, nota-se que os governantes não dão a atenção devida ao impacto que a tecnologia trará para a sociedade como um todo. A forma como trabalhamos, estudamos e nos relacionamos será diretamente afetada por essa inovação. Não há como limitar as suas estratégias de uso a produtos e serviços, pois a transformação vai muito mais além.
Estabelecer uma legislação é importante, mas os governantes também precisam estar atentos às grandes transformações antropológicas impulsionadas pela IA — por exemplo, à necessidade de repensar o mercado de trabalho, a distribuição da riqueza, a educação e diversos outros âmbitos. O aspecto da ética é realmente relevante, mas as mudanças que vão acontecer na sociedade, referente à aplicação da IA, serão muito mais impactantes e necessitam ser governadas.
Como o Brasil deve encarar a regulamentação da IA
Em geral, a legislação europeia está alinhada com sua ética e premissas constitucionais, que não são muito diferentes das que vigoram no Brasil. No entanto, cada região tem suas características culturais e econômicas que podem impactar suas regulamentações.
No território nacional, temos ótimos talentos na área de tecnologia. Tanto que, de acordo com a pesquisa IA Global Index, ocupamos a 21ª posição no ranking em termos de disponibilidades de talentos. E muitos deles acabam trabalhando para instituições internacionais. Portanto, a quantidade de profissionais qualificados em soluções de IA no mercado brasileiro ainda é limitada. Logo, a regulamentação da IA no país deve envolver as instituições de ensino públicas e privadas, que têm o papel de ajudar na promoção desses talentos.
São aspectos como esse que devemos observar com atenção para explorar o potencial tecnológico da maneira correta, inclusive no que diz respeito à atração de investimentos. A IA é um fator importante para os investidores decidirem se vão apostar naquele país. Eles analisam, por exemplo, o funcionamento do sistema financeiro nacional, a infraestrutura de energia, o cenário da comunicação e, é claro, a formação de bons especialistas nos seus respectivos segmentos, incluindo a Inteligência Artificial.
Portanto, temos que entender que essa tecnologia não é um mero detalhe. Ela veio para ficar, transformando o modo como vivemos. Não devemos focar apenas em regulá-la, mas torná-la uma ferramenta de desenvolvimento econômico poderoso e um formato de inovação nunca antes visto.
*Filippo Di Cesare é CEO Latam da Engineering (Grupo Engineering), companhia global de Tecnologia da Informação e Consultoria especializada em Transformação Digital. Formado em Ciências Econômicas e Estatísticas pela Universidade de Bolonha, na Itália, o executivo atua há mais de duas décadas nas áreas de estratégia e operação digital e já liderou projetos nos principais players do mercado, como TIM, Claro, Sabesp, Eletrobras, Nestlé, Volvo e Pfizer, entre outros.
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