CEO e CFO apresentaram plano para recuperar a companhia após rombo contábil, mas fatores como aumento de concorrência e acesso a crédito dificultam missão
(Divulgação/Americanas)
Bloomberg Línea — A Americanas (AMER3) revelou nesta quinta-feira (16) um plano de negócios para tentar sair da crise após acumular um prejuízo de R$ 19 bilhões em dois anos (2021 e 2022), decorrente de manobras contábeis que são alvo de suspeita de fraude. Há, no entanto, obstáculos nesse caminho de recuperação, como a competição com players internacionais no varejo brasileiro, as dificuldades na obtenção de novas linhas de crédito para financiar as operações e o menor apetite ao risco do mercado , o que pode inviabilizar a venda de ativos por preço considerado justo, como a Hortifruti Natural da Terra.
Os próximos passos da companhia são a realização de assembleia de credores para aprovar o plano de recuperação judicial (dia 19 de dezembro) e a divulgação dos resultados trimestrais de 2023 em dezembro (data a definir). A expectativa da atual administração é homologar o plano no início de 2024 após assinar acordo com os bancos credores em dezembro, conforme algumas instituições financeiras sinalizaram nas últimas semanas.
Em teleconferência com investidores e analistas de bancos, o CEO da companhia, Leonardo Coelho, e a CFO, Camille Loyo Faria, detalharam os dados dos balanços de 2021 (republicado) e 2022, que incorporaram os efeitos da fraude contábil, e os principais pontos do plano de negócios.
Durante o Q&A (perguntas e respostas) da teleconferência, as perguntas dos analistas se concentraram em saber os caminhos que a Americanas deverá trilhar para cumprir os guidances (projeções) fornecidos com os balanços divulgados nesta quinta-feira.
A Americanas projetou que seu PL (patrimônio líquido) será positivo no final de 2025, após ter divulgado um PL negativo de R$ 26,7 bilhões no balanço de 2022. Outro guidance para 2025 aponta uma geração de caixa medida pelo Ebitda superior a R$ 2,2 bilhões (ou R$ 1,5 bilhões excluindo o pagamento de aluguéis).
A companhia também dimensionou o tamanho exato da fraude contábil: R$ 25,2 bilhões, acima do valor de R$ 20 bilhões divulgado pelo CEO anterior, Sergio Rial, que renunciou em janeiro após revelar a existência do rombo em fato relevante na noite do dia 11 de janeiro. A varejista informou ainda que busca uma renegociação de uma dívida de R$ 42,5 bilhões.
A oferta geral da Americanas aos credores quirografários (sem privilégio no recebimento) consiste em conceder um desconto de 80% com pagamento em 20 anos e valores atualizados pela TR (Taxa Referencial).
São oferecidas ainda duas opções: participar de um leilão reverso (R$ 2 bilhões para recompra de créditos com 70% de desconto mínimo e pagamento de 15 anos) ou de uma capitalização no valor de R$ 12 bilhões em créditos, com R$ 1,875 bilhão refinanciado em nova dívida (por meio de debêntures) e saldo recomprado com R$ 6,7 bilhões.
Fornecedores da varejista terão três alternativas adicionais: R$ 3,7 bilhões para o pagamento em parcela única desses créditos ou R$ 100 milhões para fornecedor de tecnologia em parcela única ou deságio de 50% e pagamento em 48 vezes, atualizado pelo IPCA (inflação oficial) para demais fornecedores. Pequenos credores (créditos até R$ 12 mil) recebem integralmente em parcela única e dão quitacão ao crédito, segundo o plano.
Confira um resumo dos 10 obstáculos que a companhia deve enfrentar após formalizar um acordo com os bancos credores e aprovar seu novo plano de negócios.
A analista da XP, Daniella Eiger, perguntou aos executivos da Americanas sobre o impacto da competição mais agressiva no varejo brasileiro para o plano de recuperação da companhia.
O CEO respondeu destacando os diferenciais da companhia, como a multicanalidade, a presença nacional de suas lojas físicas e a avaliação positiva da marca em pesquisas com consumidores.
Atualmente, gigantes asiáticas como Shein, Shopee e AliExpress estão em expansão no mercado brasileiro com estratégia de ganhos de market share no comércio eletrônico.
A Americanas tentou, mas não conseguiu vender o Grupo Uni.co, dono das marcas Imaginarium, Puket e Lovebrands, nem a Hortifruti Natural da Terra. O CEO descartou se desfazer dos negócios por “preço de liquidação” no curto prazo.
“O desinvestimento do Uni.co e da HNT ainda esta sendo analisado. Se achar preço certo no momento certo, vamos estudar”, disse Coelho.
O varejo nacional sofre com aumento de alavancagem e redução de margens devido ao impacto dos juros elevados em suas dívidas e no apetite do consumidor.
O analista do Citibank, João Pedro Soares, quis saber se a Americanas tinha garantia de acesso a novas linhas de créditos pelos bancos para reforçar sua geração de caixa.
A CFO da varejista respondeu que não conta com outras linhas de crédito em um primeiro momento, apenas com adiantamento de recebíveis e fianças.
Ela explicou que o fato de o plano não prever novas linhas de crédito não significa que isso não possa ser alterado, pois a evolução das relações da varejista com os bancos dependerá da performance da companhia e do cumprimento do plano.
A Americanas informou que as investigações internas e externas da fraude estão ainda em andamento, sem fornecer prazo para conclusão, o que gera incertezas quanto à existência de outras informações relevantes ainda não evidenciadas.
No material apresentado aos analistas, as irregularidades nas operações de VPC (verba de propaganda cooperada) e de “risco sacado” usadas para inflar lucros foram atribuídas à antiga diretoria.
A CFO disse que as cartas de VPC eram fabricadas e as operações de risco sacado eram incorretamente contabilizadas.
Os executivos da Americanas admitiram o risco de descumprimento do cronograma sobre os próximos passos da companhia no processo de recuperação judicial.
“É um cronograma estimado, que pode se alongar. É um cronograma que estamos buscando, é ambicioso. Temos como meta tentar que a assembleia com credores ocorra em dezembro. Estamos finalizando a convocação. Se ocorrer ainda em 2023, o plano de recuperação judicial seria homologado no início de 2024″, disse a CFO.
Falta ainda a aprovação de um aumento de capital de R$ 24 bilhões.
O plano de negócios apresentado prevê a captura de sinergias entre as lojas físicas da Americanas, o marketplace, o app de cashback AME e a área de advertising (venda de publicidade nas operações física e digital).
Por se tratar de uma fintech financeira, a AME é regulamentada pelo Banco Central. Os executivos confirmaram que a fintech ainda está em processo de auditoria e que o processo é complexo.
Mesmo assim, decidiram divulgar o balanço de 2022 e republicar o de 2021, pois considerem que não há problema na fintech.
Na teleconferência, os executivos da varejista foram questionados sobre as demonstrações financeiras dos trimestres de 2023. Eles mantiveram a previsão anterior de divulgar os dados em dezembro.
A CFO disse que os balanços anteriores a 2021 não serão refeitos devido às dificuldades de repassar comprovações corretas aos auditores.
Os dados de 2021 também não serão divulgados por trimestre. A CFO explicou que a abstenção de opinião dos auditores nos balanços divulgados se deve ao fato de não ter o plano de recuperação judicial aprovado pelos credores.
O CEO da Americanas admitiu que o funding da fintech AME será caro enquanto o grupo estiver em recuperação judicial. Questionado se a AME poderá ofertar crédito aos clientes, ele respondeu que essa opção não faz sentido para a fintech.
“Mesmo assim, a AME segue como ferramenta importante para crédito para outras fintechs e bancos maiores, trabalhando para campanhas específicas”, disse Coelho.
Ele citou o corte de crédito e a redução de fornecimentos de mercadorias como impacto negativo da crise de credibilidade nas lojas físicas da varejista.
O analista do Citi, João Pedro Soares, questionou timing de indicação de novas lideranças para cada unidade de negócios.
O CEO disse que, até o final do ano, apresentará um plano de cargos e salários e negou que a imposição de metas irrealistas de performance tenha sido a causa dos lucros inflados.
“A manipulação dolosa dos controles internos pela alta direção não tem a ver com o sistema de métricas, mas com caráter”, afirmou.
O CEO prometeu um plano “mais aderente” ao varejo brasileiro e que tornará oficial um redesenho da remuneração variável ao longo das próximas semanas.
Para aumentar o tíquete médio e a rentabilidade, a Americanas disse que planeja apostar em categorias de produtos de maior valor, como celulares, notebooks, TVs e aqueles da chamada linha branca (lavadora, geladeira, fogão, microondas etc.), mas o êxito das estratégia depende das negociações para preços mais competitivos com a indústria e os sellers (vendedores terceiros).
O CEO disse que as lojas físicas e o site sofreram a redução de sortimento e a perda de fornecedores devido às restrições de crédito após o calote que deu para suas dívidas.
O fluxo nas lojas se deu mais por produtos de menor valor, como bomboniere e guloseimas, e parcerias com a indústria serão reconstruídas, segundo ele.
Atualiza às 9h do dia 17/11 com a data da assembleia geral de credores para votar o plano de RJ
Leia também
Na C&A, uma varejista que se descolou da crise do setor. E sem ajuda do ‘macro’
Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.
© Copyright, Bloomberg Línea | Falic Media
© Copyright, Bloomberg Línea | Falic Media
